Por Ricky Nobre
Enquanto todos torciam pela inclusão de Que Horas Ela Volta? entre os indicados a melhor filme estrangeiro,
um outro brazuquinha roubou a cena de forma totalmente inesperada. Não que
tenha sido uma surpresa para os que já conheciam o filme. Mas aí é que está a
questão. O Menino e o Mundo, filme de
Alê Abreu que concorre ao Oscar de melhor longa metragem de animação, é
praticamente desconhecido no Brasil, apesar de ter arrebatado literalmente
dezenas de prêmios em festivais por onde passou em todo o mundo. Nos cinemas
brasileiros, levou 32 mil pessoas ao cinema. Na França foram 100 mil.
Esteticamente, O
Menino e O Mundo já é de um absoluto frescor diante da ditadura esmagadora
da computação gráfica em 3D no cinema de animação atual. A execução sumária da
animação tradicional 2D em Hollywood é, por mais que amemos a Pixar, uma
tragédia, principalmente por todos os estúdios concorrentes apostarem no mesmo
modelo. Mundo afora, apenas o Japão ainda aposta em animação tradicional no
cinema comercial, mas a terra do anime é um caso à parte. Restam a iniciativas
mais artísticas a preservação do artesanato da animação. E Alê Abreu faz isso
sem concessões. Ele próprio animou cada cena do filme usando pinturas, lápis de
cor, giz de cera e colagens.
Pouco se pode revelar da história sem roubar do filme o
deleite que é experimentá-lo. Um menino pobre do interior vê seu pai partir na
tentativa de conseguir um futuro melhor para a família. Os dias se passam e
ele, sozinho com a mãe, não se conforma com a ausência daquele que lhe ensinava
sobre a terra e lhe tocava flauta. Então, numa noite, ele sai por conta própria
para trazer o pai de volta pra casa.
Esquivando-se dos diálogos usando um dialeto inexistente (na
verdade, as falas foram escritas em português invertido), é a sucessão
delicadamente elaborada de pequenas e grandes situações que narram a história
que tem uma aura de total e delirante fantasia, aura esta que é, de fato, o
olhar do menino diante do mundo ao mesmo tempo bruto, cruel, rude e também
novo, fascinante, colorido e belo. As pistas do que aquela jornada de fato
significa são dadas ao longo da jornada e alguns podem sacar previamente, mas é
construído de tal forma que não cai no clichê “aquela-grande-sacada-a-la-Shyamalan-que-se-for-revelada-perde-toda-a-graça”.
O olhar do menino é a chave da linguagem, da narrativa e da
poesia de todo o filme. Com uma brasilidade genuína e pulsante, O Menino e O Mundo é uma obra verdadeiramente
poética. Cada cena, cada fragmento é um poema, onde cada risco, cada pincelada,
cada risada do menino, cada nota da excelente trilha musical, cada sussurro ou
explosão do som excepcional (merecia uma indicação na categoria), cada um
destes detalhes é um verso.
Todo o filme é construído com beleza tal que a visão de
mundo que ele de fato apresenta, cruel e realista ao tratar de
industrialização, empobrecimento das populações rurais e urbanas, repressão governamental
e consumismo, pode passar despercebida, mas o espectador não escapa dela ao fim
da projeção. O Menino e o Mundo é uma
obra prima que tem tanta chance de vencer o peso pesado Divertida Mente em sua categoria quanto Leonardo Di Caprio tem de
ganhar seu Oscar. Interpretem a previsão como quiserem...
INDICAÇÃO AO OSCAR:
Melhor longa metragem de animação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário