Por Ricky Nobre
Pawel Pawlikowski fez história para a Polônia quando deu ao
seu país o primeiro Oscar de filme de língua não-inglesa em 2014. Ida era um
belo filme, incrivelmente simples na estrutura e filmado com maestria. Impressionante
para quem não se define como cineasta pois, como ele diz, “é apenas uma coisa
que eu faço”. De fato, sua produção é frequentemente bissexta, sendo ele também
poeta, fotógrafo, músico, dentre outras coisas, e diz gostar de cinema porque
pode juntar tudo isso numa coisa só. Cinco anos após Ida, Pawlikowski volta com
Guerra Fria, que lhe rendeu prêmio em Cannes e incontáveis outros ao redor do
mundo, além de 3 indicações ao Oscar. Em comum com Ida, temos novamente a
fotografia em preto e branco, com formato 1:1,37, o que rapidamente nos remete
à época retratada no filme, que se inicia em 1949.
Nesse contexto de pós guerra e dominação soviética na
Polônia, Wiktor, Kaczmarek e Irena viajam pelo interior do país à procura de
camponeses que possam representar a música, o canto e a dança tradicionais e
formar, a partir daí, uma companhia artística, levando a cultura popular para
todo o país. Nas audições, Wiktor conhece Zula, e fica imediatamente fascinado
por ela, garantindo à moça um lugar na companhia, mesmo que ela tenha mentido
sobre ser camponesa, e já a partir daí, os dois iniciam um romance. Rapidamente,
o excelente espetáculo chama atenção do governo que promete promover o show em
apresentações em diversos países, caso eles insiram números musicais elogiosos
ao governo e a Stalin. O grupo aceita relutante, mas não sem consequências. O
governo pede que Zula espione Wiktor e os ânimos se acirram. Ao se apresentarem
em Berlin, Wiktor convida Zula para fugirem para o ocidente, mas ela desiste e
ele vai sozinho. A partir daí, os dois mantêm um romance conturbado apenas
quando ela está na mesma cidade que ele se apresentando.
Existe algo de deslumbrante em Guerra Fria, que é a forma como
ele é concebido e estruturado para traçar um paralelo entre arte, política e
como um é alimento para o amor e o outro, veneno. A música, apesar de não ser
de fato a protagonista do filme, é uma perfeita coadjuvante em impecável
equilíbrio, que injeta beleza e vida do início ao fim. Da música folclórica
crua à sua versão polida e teatralizada, passando pelo jazz, as partituras de
cinema e o início do rock n’ roll, música e dança costuram os mais belos, tristes
e loucos momentos de Wiktor e Zula.
O roteiro, porém, falha tragicamente em sua segunda metade e
não parece saber lidar com seu casal protagonista da mesma forma que eles
claramente não sabem lidar consigo mesmos. Eles se consideram o amor da vida um
do outro, mas nunca, efetivamente, escolhem o outro ou mesmo pensam em uma
saída racional para que aquele romance seja possível e perdure. Como crianças
mimadas, se acham no direito de ciúmes pelos envolvimentos com outras pessoas nos
meses ou até anos em que não se viram. Quando uma escolha finalmente é feita,
acontece com muito pouca inteligência envolvida, o que leva a mais decisões
ruins. Apesar da boa performance de Joanna Kulig como Zula, o casal de atores
não tem de fato química e sua paixão nunca realmente convence, o que só torna o
final ainda mais difícil de aceitar. A culpa, porém, parece ser sempre mais do
roteiro do que dos atores, ainda que Tomasz Kot, com o Wiktor, seja bem
fraquinho.
Guerra Fria é verdadeiramente um filme maravilhoso de se ver
e ouvir, com uma fotografia realmente deslumbrante e uma forte presença musical
que consegue amarrar o filme inteiro, deixando-o minimamente coeso, ainda que o
roteiro se despedace. Tem nas mãos todos os elementos de uma obra prima, mas o subdesenvolvimento dos personagens paralisa o filme. O gosto que ele deixa na boca não é bom, não pelo
desfecho em si, mas por falhar em convencer de que foi inevitável. A intenção
pode ter sido ser uma bela alegoria de como o autoritarismo esmaga o amor, a
arte e a vida, mas o filme falha na execução, pois os protagonistas são
construídos como sendo tão infantis que não seriam capazes de um relacionamento
saudável mesmo que tudo em volta deles fosse perfeito. É de fato impressionante
que ele tenha recebido um aplauso de pé por 18 minutos quando foi exibido em
Cannes. Aparentemente, a romantização da imaturidade emocional anda em alta.
COTAÇÃO:
GUERRA FRIA (Zimna Wojna, 2018)
Com: Joanna Kulig, Tomasz Kot, Borys Szyc, Agata Kulesza, Cédric Kahn e Jeanne
Balibar.
Direção: Pawel Pawlikowski
Roteiro: Pawel Pawlikowski, Janusz Glowacki e Piotr Borkowski
Fotografia: Lukasz Zal
Montagem: Jaroslaw Kaminski
INDICAÇÕES AO OSCAR:
Melhor filme de língua não-inglesa
Direção: Pawel Pawlikowski
Fotografia: Lukasz Zal
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