sábado, 23 de fevereiro de 2019

Os Filmes do Oscar: A FAVORITA – 10 indicações


Por Ricky Nobre


Seja qual for a sua opinião sobre o cinema de Yorgos Lanthimos, haverá de concordar que o que se pode esperar dele não é o trivial. À primeira vista, um filme de época retratando a corte britânica nos tempos da Rainha Anne, a última dos Stuart, com suas intrigas amorosas e políticas, não se parece em nada com o estilo do diretor, sendo, talvez, uma indicação de ter se moldado a um cinema mais comercial e palatável. Nada mais longe da realidade. 

 

O objetivo de A Favorita não é, de forma alguma, retratar ou discutir as particularidades sociais ou políticas num cenário de poder em um determinado momento histórico da Inglaterra. A relação histórica entre a Rainha Anne, Lady Sara e a criada Abgail é apenas o ponto de partida para um conto que começa mostrando como laços de afeto e de poder se entrelaçam e se confundem e termina revelando-se uma história de amor e tragédia.

 

O trio central de atrizes é perfeito, equilibrando-se na cruel corda bamba entre sátira e drama que Lanthimos as impõe, onde, pela primeira vez, dirige um roteiro que não escreveu. Muito hábil é também a capacidade delas e do diretor em criar e subverter percepções de “heroína” e “vilã”, “forte” e “fraca”, “fiel” e “traidora”, enquanto acompanha uma multidão de homens orbitando as decisões de importância nacional que são tomadas por essas três mulheres. 

 

O cinema de Lanthimos é sempre desconfortável. Começando pela escolha de enquadramento e lentes, com uso massivo de grande angulares, que constantemente localizam seus personagens em seu ambiente. Seja a cozinha, o quarto real, o parlamento, os corredores suntuosos ou mesmo uma corrida de patos, o cenário sempre aparece por inteiro, e “onde” o personagem está parece sempre ser de importância crucial. O desconforto das inevitáveis distorções nos movimentos de câmera com essas lentes sugere a instabilidade que Abigail traz à corte, ou, talvez, apenas ilustre e represente um olhar bizarro sobre os acontecimentos. O uso das grande angulares chega ao extremo das lentes “olho de peixe”, quebrando qualquer possibilidade da estética se acomodar na impressão do “filme de época” comum. A trilha sonora, repleta de músicas clássicas do período, dá lugar em momentos chave para as composições originais de Komeil S. Hosseini, que são basicamente repetições de notas desesperadoramente obcessivas. Até mesmo os créditos são apresentados com alinhamento justificado extremo que, se formam belos quadrados ao longe, torna também a leitura uma tarefa exaustiva. 

 

Mas o desconforto mesmo está no detalhes, nas inseguranças das personagens, até em seus atos mais ousados e, principalmente, na forma como não saem como planejados. Esse desconforto pode parecer óbvio, principalmente em cenas como a bizarra dança de um casal que não é só anacrônica com parece extraída de um quadro de humor tosco. Mas, na maioria das vezes, é sutil, sem dar ao espectador a noção exata de onde vem. A cena final, longa, trágica e excruciante, carregada de um sentimento de fatalidade, é o ponto máximo da obstinação de Lanthimos em não nos deixar relaxar com o que vemos. As personagens parecem todas tomar as decisões erradas e o arrependimento vem tarde demais, ou é simplesmente irrelevante. 

 

Logo na primeira cena, a rainha convida sua dama favorita, Lady Sara, a cumprimentar seus coelhos de estimação, que ela bizarra e tragicamente batizou com os nomes de todos os seus 17 filhos mortos, frutos, em sua maioria, de abortos espontâneos. Sara diz: “Não vou fazer isso. É macabro. Eu te amo, mas não vou fazer isso”. No que a rainha protesta: “Mas se você me ama...”. Ao que Sara responde: “Amor tem limites”. E a rainha conclui: “Não deveria ter”. Não se engane com as disputas de poder de A Favorita. É DISSO que o filme se trata.

 

COTAÇÃO: 


A FAVORITA (The Favourite, 2018)

Com: Olivia Colman, Rachel Weisz, Emma Stone, James Smith, John Locke e Nicholas Hoult

Direção: Yorgos Lanthimos

Roteiro: Deborah Davis e Tony McNamara

Fotografia: Robbie Ryan

Montagem: Yorgos Mavropsaridis

Música: Komeil S. Hosseini



INDICAÇÕES AO OSCAR:

Melhor filme

Diretor: Yorgos Lanthimos

Atriz: Olivia Colman

Atriz coadjuvante: Rachel Weisz

Atriz coadjuvante: Emma Stone

Roteiro original: Deborah Davis e Tony McNamara

Fotografia: Robbie Ryan

Montagem: Yorgos Mavropsaridis

Figurino: Sandy Powell

Direção de arte: Fiona Crombie e Alice Felton


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