Por Ricky Nobre
Todo ano sempre tem aquele filme de digestão mais difícil,
que a Academia não ousa reconhecer com múltiplas indicações mas dá um aceno com
uma indicação solitária, geralmente para roteiro ou ator. O deste ano é o mais
recente filme do diferentão de Hollywood, Paul Schrader, que gozou de mais
sucesso comercial com seus roteiros escritos para outros diretores
(especialmente Scorcese) do que com suas próprias produções. Após uma série de
fracassos de bilheteria, alguns protagonizados por Nicholas Cage (sempre ele),
e de ter um de seus filmes recentes alterado pelos produtores até se tornar
irreconhecível, Schrader volta com uma produção muito modesta e simples mas que
carrega grandes dilemas éticos e morais.
Ethan Hawke vive o reverendo Toller, que é o responsável pela
primeira paróquia reformada dos EUA, que está prestes a comemorar seu 250º
aniversário. Sua paroquiana Mary (Amanda Seyfried, que estava realmente grávida
durante as filmagens) vai procurá-lo quando seu marido Michael (Philip Ettinger),
ativista ambiental, está entregue à depressão e tentando convencê-la a não ter
o filho que está esperando. Toller e Michael têm uma rica discussão, onde
Michael expõe seus temores de que o planeta esteja verdadeiramente condenado
pelas ações do homem e, ainda que dure apenas 10 minutos, é um perfeito resumo
da temática do filme, que é o embate entre a esperança e o desespero. Mais
adiante, quando Michael sucumbe de vez perante à depressão, Toller passa a ver
uma série de questões por outros ângulos, enquanto desvenda comprometedoras
ligações do grupo ao qual sua igreja faz parte com grupos empresariais.
Schrader é realmente hábil no que faz melhor, que é
escrever. O personagem do reverendo é muito bem construído, seus argumentos
inteligentes e sábios, seu caráter é firme. Essa construção é essencial para o
choque posterior de vê-lo sucumbindo ao desespero e ao fanatismo. A fotografia
formatada na proporção há muito em desuso (1,37:1) enclausura o personagem que
confronta a morte, a decepção, o alcoolismo e a desesperança. Suas palavras,
antes mergulhadas em sabedoria, tornam-se ríspidos petardos de mágoa. Essa transição
pode não parecer tão gradual para o público, principalmente considerando os
extremos ao qual Toller se propõe. O desfecho também pode parecer abrupto, que
pode apenas ser um delírio do personagem ou a sugestão de que é no amor onde o
desespero e o fanatismo sucumbem.
COTAÇÃO:
NO CORAÇAO DA ESCURIDÃO (First Reformed, 2017)
Com: Ethan
Hawke, Amanda Seyfried, Philip Ettinger, Cedric Antonio Kyles e Victoria Hill.
Direção e roteiro: Paul Schrader
Fotografia: Alexander Dynan
Montagem: Benjamin Rodriguez Jr.
Música: Lustmord
INDICAÇÃO AO OSCAR:
Roteiro: Paul Schrader
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