Autor de algumas comédias rasgadas, o cineasta Adam McKay
surpreendeu há dois anos com uma visão ao mesmo tempo precisa, detalhada,
satírica e mordaz da crise do mercado financeiro de 2008 que pôs milhares de
americanos para fora de suas casas, com o genial A Grande Aposta. Ele agora
volta com Vice, uma mistura de biografia com sátira da trajetória de Dick
Cheney, que foi vice presidente do Bush filho e que, com uma astúcia diabólica,
utilizou os ataques de 11 de setembro para concentrar uma inédita quantidade de
poder nas mãos.
Christian Bale encarna Cheney com perfeição, começando pela
transformação física, que é algo ao qual ele já está acostumado. Ganhou mais de
20 quilos, raspou os cabelos, fez exercícios para engrossar o pescoço e
carregou pesada maquiagem. Mas é na voz, nos maneirismos, no olhar e nas
sutilezas que está o brilhantismo do seu trabalho. Bale segue muito bem
acompanhado pela sensacional Amy Adams, do cada vez melhor Steve Carell e do
excelente Sam Rockwell que tem a difícil e ingrata tarefa de interpretar o ex
presidente Bush sem que parecesse uma sátira do Saturday Night Live, missão
particularmente complicada, considerando-se tanto o viés satírico da direção
quanto o personagem em si.
Esta abordagem que mescla drama e sátira, ao mesmo tempo em
que torna o filme original e o tira da mesmice, se apresenta também como um
grande risco para sua credibilidade. Com muita habilidade, McKay cria uma
narrativa onde a própria sátira serve para enfatizar que muito do que é
apresentado é especulação, dado a personalidade muito reservada de Cheney, ao
mesmo tempo em que usa tanto o humor quanto o drama para dar impacto a fatos
históricos. Até mesmo a possível percepção de ser um filme “esquerdista” gera
uma sensacional cena pós créditos, mostrando que McKay possui absoluto domínio
do que quer dizer e assume total responsabilidade por isso. É particularmente
brilhante a montagem entrecortada, já próximo à conclusão, onde vemos Cheney
tomar uma decisão onde põe a política acima da família, algo ao qual se mostra
radicalmente contra durante quase todo o filme.
Fica bastante claro que o filme tem a intenção de mostrar a
“Era Bush” e o papel dominante de Cheney nela como um prelúdio dos tempos
atuais, principalmente quando fala da ascensão da imprensa conservadora e de
seu papel na percepção popular. Vice não é a espetacular overdose de informação
e ironia a cada minuto que foi A Grande Aposta. Ainda que tenha intervenções
hilárias na narrativa (como as participações especiais de Alfred Mollina e
Naomi Watts) e quebra de quarta parede, o filme tem um tom mais comedido pois,
ainda que de forma sutil, reflete a personalidade reservada e observadora de
Cheney, que era capaz de enxergar incontáveis jogadas à frente e só mostrava
suas cartas na hora certa. McKay faz mais um filme essencial para os EUA e o
mundo de hoje e que merece ser visto, seja você um fascista de facebook ou um
esquerdopata cirandeiro.
COTAÇÃO:
VICE (2018)
Com: Christian
Bale, Amy Adams, Steve Carell, Sam Rockwell, Jesse Plemons, Alison Pill, LisaGay
Hamilton e Lily Rabe
Roteiro e direção: Adam McKay
Fotografia: Greig Fraser
Montagem: Hank Corwin
Música: Nicholas Britell
Indicações ao Oscar:
Filme
Direção: Adam McKay
Ator: Christian
Bale
Ator coadjuvante: Sam Rockwell
Atriz coadjuvante: Amy Adams
Roteiro original: Adam McKay
Montagem: Hank Corwin
Maquiagem e cabelos: Greg Cannom, Kate Biscoe e Patricia
DeHaney
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