A corrida espacial foi provavelmente a maior vitrine pública
da guerra fria. Os EUA tomavam uma surra contínua dos soviéticos que conseguiam
vencer os americanos a cada conquista (primeiro satélite, primeiro homem no
espaço, entre outras). Então Kennedy estabeleceu um propósito de levar o homem
à Lua, na tentativa de vencer essa corrida que era, sob todos os ângulos,
política. Ele não viveu para ver, mas os EUA, com seu glorioso know-how em
marketing, transformou a única vitória na única que importava. A imagem de Neil
Armstrong caminhando na Lua ficou marcada a brasa na retina do século XX e
transformou-se não apenas num símbolo da superioridade americana e do “mundo
livre”, mas também num ícone pop. O novo filme do jovem Damien Chazelle (Whiplash,
La La Land) chega com intenções claras: ser o mais fiel possível aos fatos e
também jogar luz sobre o lado humano do “herói” Armstrong.
Desde a primeira cena, O Primeiro Homem deixa claro o
constante risco de vida que representa o trabalho de Neil e de todos que trabalhavam
com ele. O filme adquire contornos trágicos não apenas com a chocante
quantidade de amigos que ele perde em sucessivos acidentes do programa
espacial, como vemos durante todo o filme, mas também logo no início com a
prematura morte de sua filha de 3 anos, vítima de câncer, quando ele ainda era
piloto de testes. Aderir ao programa espacial torna-se uma alternativa para ajudá-lo
a seguir a vida. A vida familiar de Neil é um foco preferencial de Chazelle, não
para revelar fatos da vida privada, mas para construir o personagem como um
homem simples, gentil, amoroso, ainda que reservado.
Chazelle realiza um certo malabarismo ao retratar a
intensidade e a determinação de Neil e seus colegas com a missão, culminando
com o ápice da jornada que é a caminhada na superfície lunar como um
extraordinário sucesso tanto da humanidade quanto do indivíduo, em contraposição
com a pior fase do programa, onde fracassos e mortes levaram o povo americano a
se questionar se essa seria a melhor forma de gastar os recursos públicos. As cenas
dos protestos e o uso da música Whitey Is On The Moon colocam a história em
outra perspectiva, especialmente à medida que vão aumentando a quantidade de
viúvas.
Chazelle investe no realismo ao retratar incidentes o mais
próximo possível de como ocorreram, e sendo cientificamente preciso,
retratando, inclusive o silêncio no vácuo do espaço. Os interiores das naves são
dos tamanhos originais, de espaço bem restrito, o que gerou uma série de
dificuldades nas filmagens. Até a casa de Neil foi construída a partir da
planta original. Porém o mais importante é o realismo ao retratar o Armstrong.
Seus filhos declararam que nunca nenhuma obra retratou tão fielmente o pai
deles quanto O Primeiro Homem. Isso se deve tanto ao roteiro baseado no livro
de James R. Hansen, biógrafo de Neil no qual ele tinha absoluta confiança, mas
no trabalho de Ryan Goslin. O ator foi muitas vezes descrito como inexpressivo,
mas filme após filme ele vem provando que na verdade possui um estilo contido,
minimalista, mas que guarda um grande número de sutilezas, compondo, ao fim, um
personagem rico, sólido e expressivo.
O filme não foi bem nas bilheterias, muito por conta da
polêmica criada por um senador americano que considerou escandaloso o filme não
incluir a cena onde Neil fincava a bandeia americana em solo lunar. O motivo é
óbvio para quem vê o filme: expressar a mente de Neil que via a conquista como
da humanidade, não de uma nação. O que Neil deixa em solo lunar é muito mais
precioso, e isso o público só saberá vendo o filme. Mas a crítica e o
julgamento sem conhecimento anda em alta ultimamente.
COTAÇÃO:
O PRIMEIRO HOMEM (First Man, 2018)
Com: Ryan
Gosling, Claire Foy, Jason Clarke, Kyle Chandler, Ciarán Hinds e Olivia
Hamilton
Direção: Damien
Chazelle
Roteiro: Josh Singer, baseado no livro de James R. Hansen
Fotografia: Linus Sandgren
Montagem: Tom Cross
Música: Justin Hurwitz
INDICAÇÕES AO OSCAR:
Edição de som: Mildred Iatrou Morgan e Ai-Ling Lee
Mixagem de som: Jon Taylor, Frank A. Montaño, Ai-Ling Lee e
Mary H. Ellis
Direção de arte: Nathan Crowley e Kathy Lucas
Efeitos visuais: Paul Lambert, Ian Hunter, Tristan Myles e
J. D. Schwalm
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