Existe um misterioso apelo na história de um artista
decadente que se torna obcecado por revelar o talento de uma jovem que conheceu
casualmente e, enquanto a carreira dela dispara, a dele míngua devido ao vício.
Filmado pela primeira vez em 1937 por William Wellman, foi refilmado em 1954
por George Cuckor e novamente em 1976 por Frank Pierson. Agora, 42 anos após a
última versão (e 81 após a primeira), Bradley Cooper estreia na direção com a
mais recente visão deste conto sobre sonho, arte, amor e tragédia, ao mesmo
tempo em que assume o papel que já foi de Fredric March, James Mason e Kris
Kristofferson. Lady Gaga encarna a estrela em ascensão, sucedendo Janet Gaynor,
Judy Garland e Barbra Streisand. Com um título que envelheceu extremamente bem
(o mesmo pode ser dito da tradução brasileira), A Star Is Born (Nasce Uma Estrela)
vem com a difícil tarefa de atualizar e trazer algo novo para uma história que
já emocionou tantas gerações.
Fredric March e Janet Gaynor em 1937
James Mason e Judy Garland em 1954
Barbra Streisand e Kris Kristofferson em 1976
Bradley Cooper e Lady Gaga em 2018
Basicamente, a proposta desta nova versão é fazer o que a
versão de 76 tentou e falhou: adaptar a história do mundo do cinema para o
mundo da música. E ainda que a ambientação seja muito semelhante ao filme de Pierson,
o espírito está muito mais próximo das primeiras versões. Uma tradição mantida
em cada versão de Nasce Uma Estrela é a repetição de certos diálogos e cenas
que se tornaram icônicos. Mesmo a versão de 76, descaracterizada como era, manteve
alguns poucos diálogos em comum. Cooper destoa dessa tradição, mantendo apenas
um diálogo chave (“Eu só queria dar outra olhada em você”) e uma variação da
fala final. Porém, ele resgata a essência da história e dos personagens
originais de forma muito mais profunda e efetiva do que a versão de 76, que foi
meio que um desastre não apenas como adaptação mas também como um filme
isolado. Cooper compõe seu Maine muito na linha dos personagens de March e
Mason: uma pessoa genuinamente boa e amorosa, cujo bom caráter transparece
mesmo através das besteiras e vexames provocados pelo vício. Já a Ally de Gaga
evoca a Esther de Streisand mas está também próxima da de Garland: uma cantora
e compositora talentosíssima, que é insegura quanto à capacidade e à aparência
e não tem noção do próprio potencial. Mesmo à luz das comparações, tanto Gaga
quanto Cooper criam e investem muito de si mesmos em seus personagens,
apresentando criações novas e complexas.
Em um aspecto, esta nova versão supera incontestavelmente as
anteriores, que é a química entre os protagonistas. Eles demonstram absoluta
integração como artistas e como amantes. A admiração, o fascínio, a paixão e o
amor entre eles são absolutamente críveis e são uma força poderosa que
impulsiona todo o filme. Aliás, a emoção é o que mantém todo o filme em
movimento e coeso, sempre acima do chão. A emoção é constante, genuína,
contagiante, o princípio e o fim da história, e o elenco está completamente
mergulhado nela, incluindo aí o personagem de Sam Elliot como o irmão de Maine,
figura que substitui o chefe do estúdio das duas primeiras versões e o produtor
da terceira. A ideia de tornar este personagem irmão de Maine, e ainda com uma
história conturbada entre eles, torna o drama de Maine mais profundo e
complexo. De certa forma, esta versão meio que passa o protagonismo do
personagem dela para o dele, algo que não aconteceu em nenhuma das outras
versões (a terceira meio que tentou mas, como em tudo, falhou). A personagem de
Ally, porém, é tão bem escrita e Gaga a defende com tanta garra e talento que
puxa o filme para si e divide o “spotlight” com Maine de igual para igual.
Cooper surpreende com uma direção absolutamente segura e
criativa, impressionante para um estreante, indicando que esse possa ser o
início de uma longa carreira como diretor. Outro ponto alto são as músicas,
cujas letras são perfeitamente integradas ao roteiro e sugerem com perfeição o
estado de espírito dos protagonistas e o relacionamento entre eles, uma vez que
ambos são compositores e letristas e colocam nas obras tudo que vivem, pensam e
sentem. De certa forma, é um uma maneira extremamente sutil de ser um filme
musical sem ser.
Cooper conseguiu a proeza de criar uma nova versão de Nasce
uma Estrela que rivaliza e talvez até supere a versão de 54 que, apesar de
problemática em alguns pontos, era não só a melhor mas a mais carregada de
poderosa emoção genuína. Hoje, este Nasce Uma Estrela é um filme
devastadoramente emocional que com certeza será um marco desta época. Na arrogância
do tempo presente, poderíamos arriscar que seria a versão definitiva da história.
Mas, muito provavelmente, lá por 2050 alguém perceberá que existe mais a ser
explorado nesta história e que as próximas gerações terão a sua forma
particular de contá-la quando chegar alguém que queira só dar mais uma olhada
nela de novo.
COTAÇÃO:
NASCE UMA ESTRELA (A Star Is Born, 2018)
Com: Lady
Gaga, Bradley Cooper, Sam Elliott, Andrew Dice Clay e Dave Chappelle
Direção: Bradley
Cooper
Roteiro: Eric Roth, Bradley Cooper e Will Fetters, baseado
no roteiro da versão 1976 de Frank Pierson, Joan Didion e John Gregory Dunne, roteiro da versão 1954
de Moss Hart e história original de 1937 de William A. Wellman e Robert Carson
Fotografia: Matthew Libatique
Montagem: Jay Cassidy
Canções originais: Lady Gaga, Lukas Nelson e Mark Ronson
INDICAÇÕES AO OSCAR:
Melhor filme
Ator: Bradley
Cooper
Atriz: Lady Gaga
Ator coadjuvante: Sam Elliot
Roteiro adaptado: Eric Roth, Bradley Cooper e Will Fetters
Fotografia: Matthew Libatique
Canção original: "Shallow" – Lady Gaga, Mark Ronson, Anthony Rossomando e Andrew Wyatt
Mixagem de som: Tom Ozanich, Dean Zupancic, Jason Ruder e Steve Morrow
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