sábado, 11 de fevereiro de 2017

Os filmes do Oscar: ANIMAIS NOTURNOS (1 indicação)


Por Ricky Nobre


Não que seja algo fora do modus operandi habitual da Academia, porém, se por um lado ela trouxe esse ano uma diversidade étnica na lista de indicados que inexistia ano passado, por outro tem reservado aos filmes mais originais e criativos indicações que são quase que meramente representativas, no estilo “olha, lembramos de você”, deixando as múltiplas indicações para os filmes mais comuns e fáceis de digerir. O segundo filme de Tom Ford não escapou dessa armadilha, levando uma única e singela indicação para ator coadjuvante.

 

Sete anos após sua estreia em Direito de Amar, Tom Ford, o super mega estilista das galáxias que resolveu virar cineasta, volta com mais uma obra onde as emoções e as relações humanas são o foco central. Diretora de um museu de arte moderna, Susan (Amy Adams, cada vez melhor) tenta sobreviver às temperaturas glaciais em que se encontra seu casamento. Ao receber o manuscrito de um livro de seu ex-marido Edward (Jake Gyllenhaal), Susan acabará embarcando numa viagem ao próprio passado. Se enquanto eram casados 20 anos antes, ela não tinha grandes expectativas em relação à carreira de escritor do marido, Susan acaba mergulhando por completo na obra de Edward. 

 

Intitulado “Animais Noturnos”, o livro narra a história de Tony (também Gyllenhaal), sua esposa Laura (Isla Fisher brilhantemente escalada dada sua semelhança com Adams) e a filha India (Ellie Bamber), que estão de férias na estrada quando são abordados por três homens que, após uma sequência extremamente tensa, acabam sequestrando as mulheres. Toda a sucessão de fatos do livro captura a emoção de Susan, como um grande livro costuma fazer. Porém, quanto mais a leitura avança, lembranças de seu passado com Edward, as brigas com a mãe e o envolvimento com o atual marido vão voltando à sua mente, até o ponto em que começa a questionar as decisões que tomou na vida e a ser invadida por uma estranha sensação de que a sede de vingança do personagem do livro possa significar algo mais pessoal. O livro a exaure, mas ela não para de ler.

 

Tom Ford é muito hábil em manter a tensão da história de Tony, mesmo com as frequentes interrupções da “realidade” de Susan constantemente nos lembrando que é “apenas um livro”. Essa tensão é essencial para que os efeitos da leitura em Susan sejam compreendidos. As inseguranças de Susan de que a história seja, no fundo, sobre ela e sobre a forma insensível como ela terminou o casamento com Edward se justificam não apenas pela simbologia dos acontecimentos do livro mas também pela escolha do elenco. O fato de Gyllenhaal interpretar Edward e Tony pode justificar que Edward escrevia sobre si mesmo (“que autor não escreve sobre si mesmo?”, indagou Edward em determinado ponto) e que o livro é uma metáfora de seu casamento e de suas atitudes nele. Não é de forma alguma casual que a resistência e a ação de Tony na defesa de sua família e de si mesmo é estranhamente restrita, quase dormente, catatônica. O próprio personagem se corrói de culpa por não ter evitado o que aconteceu, sugerindo que Edward se responsabiliza pelo que aconteceu com seu casamento com Susan. Mas também lança um contraste com o hábito de Hollywood em retratar cidadãos comuns como máquinas de violência em situações-limite, como se fosse regra. 

 

Por outro lado, da mesma forma que toda a história de Tony é narrada do ponto de vista dele, toda a história de Susan é narrada do ponto de vista DELA. Desta forma, a imagem de Edward como o personagem Tony pode não ser a intenção de Edward ao escrever, mas como Susan vê Tony quando lê. Isso explica Isla Fisher (que muita gente confunde com Adams) no papel da esposa de Tony, pois seria Susan se colocando no papel da esposa inconscientemente, com a imagem de alguém parecida com ela, mas não ELA. Conforme o livro vai chegando ao final, abre-se também a possibilidade de que Tony seja de fato Susan, seja na intenção de Edward, ou na visão de Susan, que agora não se vê mais como a esposa no livro, mas como o protagonista, roendo-se de culpa pelo seu destino e da sua família. 

 

Com um final curiosamente semelhante ao de O Lagosta, outro filme difícil e original deste ano, Animais Noturnos exige muito da emoção do público, tanto quanto de sua sensibilidade para captar as sutilezas. Tristemente ausente das indicações ao Oscar estão Amy Adams, Jake Gyllenhaal, a direção e o roteiro de Tom Ford, a fotografia de Seamus McGarvey, a montagem de Joan Sobel e a música de Abel Korzeniowski. Se esse Oscar vai se desenhando como uma noite de filmes fáceis de engolir e de esquecer, Tom Ford e seu Animais Noturnos nos mantém iluminados por um cinema belo e perturbador. 


INDICAÇÃO AO OSCAR

Ator coadjuvante: Aaron Taylor-Johnson

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