Por Ricky Nobre
Sete anos após sua estreia em Direito de Amar, Tom Ford, o
super mega estilista das galáxias que resolveu virar cineasta, volta com mais
uma obra onde as emoções e as relações humanas são o foco central. Diretora de
um museu de arte moderna, Susan (Amy Adams, cada vez melhor) tenta sobreviver
às temperaturas glaciais em que se encontra seu casamento. Ao receber o
manuscrito de um livro de seu ex-marido Edward (Jake Gyllenhaal), Susan acabará
embarcando numa viagem ao próprio passado. Se enquanto eram casados 20 anos
antes, ela não tinha grandes expectativas em relação à carreira de escritor do
marido, Susan acaba mergulhando por completo na obra de Edward.
Intitulado “Animais Noturnos”, o livro narra a história de
Tony (também Gyllenhaal), sua esposa Laura (Isla Fisher brilhantemente escalada
dada sua semelhança com Adams) e a filha India (Ellie Bamber), que estão de férias
na estrada quando são abordados por três homens que, após uma sequência
extremamente tensa, acabam sequestrando as mulheres. Toda a sucessão de fatos
do livro captura a emoção de Susan, como um grande livro costuma fazer. Porém,
quanto mais a leitura avança, lembranças de seu passado com Edward, as brigas
com a mãe e o envolvimento com o atual marido vão voltando à sua mente, até o
ponto em que começa a questionar as decisões que tomou na vida e a ser invadida
por uma estranha sensação de que a sede de vingança do personagem do livro
possa significar algo mais pessoal. O livro a exaure, mas ela não para de ler.
Tom Ford é muito hábil em manter a tensão da história de
Tony, mesmo com as frequentes interrupções da “realidade” de Susan constantemente
nos lembrando que é “apenas um livro”. Essa tensão é essencial para que os
efeitos da leitura em Susan sejam compreendidos. As inseguranças de Susan de
que a história seja, no fundo, sobre ela e sobre a forma insensível como ela terminou
o casamento com Edward se justificam não apenas pela simbologia dos
acontecimentos do livro mas também pela escolha do elenco. O fato de Gyllenhaal
interpretar Edward e Tony pode justificar que Edward escrevia sobre si mesmo (“que
autor não escreve sobre si mesmo?”, indagou Edward em determinado ponto) e que
o livro é uma metáfora de seu casamento e de suas atitudes nele. Não é de forma
alguma casual que a resistência e a ação de Tony na defesa de sua família e de
si mesmo é estranhamente restrita, quase dormente, catatônica. O próprio
personagem se corrói de culpa por não ter evitado o que aconteceu, sugerindo
que Edward se responsabiliza pelo que aconteceu com seu casamento com Susan. Mas
também lança um contraste com o hábito de Hollywood em retratar cidadãos comuns
como máquinas de violência em situações-limite, como se fosse regra.
Por outro lado, da mesma forma que toda a história de Tony é
narrada do ponto de vista dele, toda a história de Susan é narrada do ponto de vista
DELA. Desta forma, a imagem de Edward como o personagem Tony pode não ser a
intenção de Edward ao escrever, mas como Susan vê Tony quando lê. Isso explica
Isla Fisher (que muita gente confunde com Adams) no papel da esposa de Tony,
pois seria Susan se colocando no papel da esposa inconscientemente, com a
imagem de alguém parecida com ela, mas não ELA. Conforme o livro vai chegando
ao final, abre-se também a possibilidade de que Tony seja de fato Susan, seja
na intenção de Edward, ou na visão de Susan, que agora não se vê mais como a
esposa no livro, mas como o protagonista, roendo-se de culpa pelo seu destino e
da sua família.
Com um final curiosamente semelhante ao de O Lagosta, outro
filme difícil e original deste ano, Animais Noturnos exige muito da emoção do
público, tanto quanto de sua sensibilidade para captar as sutilezas.
Tristemente ausente das indicações ao Oscar estão Amy Adams, Jake Gyllenhaal, a
direção e o roteiro de Tom Ford, a fotografia de Seamus McGarvey, a montagem de
Joan Sobel e a música de Abel Korzeniowski. Se esse Oscar vai se desenhando
como uma noite de filmes fáceis de engolir e de esquecer, Tom Ford e seu Animais
Noturnos nos mantém iluminados por um cinema belo e perturbador.
INDICAÇÃO AO OSCAR
Ator coadjuvante:
Aaron Taylor-Johnson
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