Por Ricky Nobre
Florence: Quem É Essa Mulher prova que existem três coisas
com as quais podemos sempre contar: com a estupidez dos distribuidores
brasileiros em traduzir títulos, que Stephen Frears sempre trará uma história
humana inteligentemente filmada e com o brilhantismo de Meryl Streep.
Baseado em fatos reais (mais um!!), o filme fala da estranha
história da “pior cantora do mundo”. Durante a Segunda Guerra, a milionária
socialite Florence Foster Jenkins (Meryl Streep, o que dizer...) ajudava a
manter a cena da música erudita viva em Nova Iorque, com seu Clube Verdi e
espetáculos beneficentes. Profundamente apaixonada por música, promovia
espetáculos onde ela interpretava as mais difíceis árias, ainda que fosse
absolutamente incapaz de sustentar, ou sequer acertar uma única nota. Tendo a admiração
e respeito de artistas que iam de Toscanini a Cole Porter, Florence era, por
incrível que pareça, um sucesso, seja para os amigos que sempre lhe prestariam
elogios, não importando a tragédia de sua apresentação, seja dos que curtiam
tudo como uma grande piada. Seu marido St Clair Bayfield (Hugh Grant, ótimo),
controlava a venda de ingressos apenas para conhecidos e membros da imprensa
dispostos a publicar críticas “amigáveis”. Chegou a lançar 5 discos 78rpm, que
foram as maiores vendas da gravadora Melotone. Sua maior extravagância foi um
espetáculo no Carnige Hall para duas mil pessoas.
Uma das grandes polêmicas em torno de Florence é o quanto
ela tinha consciência real de seu “talento”. O filme de Frears parte do
princípio de que ela realmente se considerava uma cantora, e das boas. Com
alguns momentos mais dramáticos e sutis, o filme se ancora mesmo no tom cômico,
e nisso o elenco garante um excelente espetáculo. Simon Helberg, como o
pianista que acompanhou Florence nos últimos anos de sua carreira, está impagável.
Mas por melhores que estejam seus companheiros de cena, o filme é mesmo de
Streep. Ótima cantora (como já mostrou em outros filmes, especialmente Mama
Mia), ela mesma foi responsável por todos os inacreditáveis sons emitidos por
Florence, sempre gravados no momento da filmagem, sem uso de playback.
Florence é retratada como uma figura fascinante e indomável,
que decidiu que seria cantora não importasse o que dissessem, que viveu com
sífilis durante 50 anos, contra os prognósticos de qualquer médico da época.
Mas tinha também algo de frágil e trágica, não apenas pela inevitável
instabilidade de sua saúde, mas também pela relação meramente platônica que
tinha com o próprio marido (também por conta da doença), que mantinha seu
próprio apartamento com outra mulher. Mesmo assim, Bayfield era profundamente
dedicado a ela, não medindo esforços para manter intacta a frágil bolha que
separa Florence da realidade de seu talento artístico.
Ainda que Florence se concentre num período muito curto já
bem avançado da vida de protagonista, até mesmo condensando excessivamente
alguns fatos, ele é um filme leve e despretensioso que deve muito do seu brilho
a seu elenco, guiado com perfeição por Frears. E, além de tudo, confirma a
urgência da criação de uma lei que proíba Meryl Streep de concorrer ao Oscar,
pra poder dar alguma chance para as outras pobres mortais.
INDICAÇÕES AO OSCAR
Atriz: Meryl Streep
Figurino: Consolata Boyle
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