quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Os filmes do Oscar: MULHERES DO SÉCULO VINTE (1 indicação)


Por Ricky Nobre


Pode confiar que não tem erro: é batata! Se quiser ver os melhores filmes deste Oscar, basta procurar os que têm apenas uma indicação. O diretor e roteirista Mike Mills construiu Mulheres do Século Vinte levemente baseado em suas experiências de juventude e de sua própria mãe. Em 1979, Dorothea (Annette Bening) é uma mulher de 55 anos, ativa, inteligente, que cria sozinha seu filho Jemie (Lucas Jade Zumann), de 15 anos. Ela luta para entender o rapaz e o mundo em que ele está inserido, muito diferente daquele em que ela foi criada. Julgando-se sem referências para um mundo em tão rápida mudança, com uma juventude que ela não compreende, ela pede a ajuda de Julie (Elle Fanning), amiga do filho e vizinha de 17 anos, e Abbie (Greta Gerwig), fotógrafa de 24 anos que aluga um dos quartos de Dorothea e luta contra um câncer.

 

Tudo neste emocionante e adorável filme funciona à perfeição, a começar pelo roteiro, detentor da única indicação que o filme recebeu e que, se houvesse justiça nesse mundo, levaria a estatueta pra casa. Não é nada fácil escrever um filme sem trama, principalmente por não ser possível usar as fórmulas e truquezinhos dos manuais. Assim como Abbie fotografa objetos que lhe pertencem na tentativa de criar um retrato geral de si mesma, o filme é uma série de retalhos, extremamente bem costurados, da vida dos personagens naquele período em particular. O retrato resultante é não apenas o daquelas pessoas, ou de uma época, mas também, e principalmente, daquelas pessoas descobrindo a vida, vida esta indissociável daquele momento da história. Não é aleatória a escolha do ano em que o filme se passa. O último ano da década de 70 é um símbolo dos últimos momentos de um período efervescente na revolução dos costumes, direitos civis, revolução sexual, feminismo. Em determinado ponto, a narração de Dorothea chama a atenção para o fato de que os personagens, naquele momento, não faziam ideia de que o movimento punk e todo o espírito dos anos 70 estavam de fato dando seus últimos suspiros, pois a Era Reagan estava aguardando logo adiante, iniciando uma década marcada pelo conservadorismo e individualismo.

 

É fascinante como o filme mostra essas mulheres do século 20, principalmente na derrubada de alguns mitos e pressuposições. Dorothea foi sempre uma mulher forte e à frente de seu tempo. Alistou-se e treinou para ser piloto de caça na Segunda Guerra, mas as guerra acabou antes que ela conseguisse terminar o treinamento. Divorciada sem neuras, trabalha, cria o filho e monitora diariamente seus investimentos em ações. Mas tem dificuldades em lidar com os livros feministas que lê, e ofende-se terrivelmente quando Abbie começa a falar de menstruação como um assunto corriqueiro. Abbie é independente, saiu de casa cedo para cursar faculdade, possui profundo conhecimento teórico do feminismo e enfrenta o câncer com bravura. Mas precisa montar um teatrinho para sentir-se confortável no sexo, e a possibilidade de não ter filhos a fragiliza e entristece. Julie ainda é menor de idade, mas tem vida sexual bastante ativa. Sendo filha de psicóloga, gosta de analisar as pessoas e até faz isso muito bem. Mas nunca teve orgasmo com garoto nenhum. Não são clichês de mulheres modernas. São mulheres reais. Tudo isso é obra não apenas no excelente roteiro mas também do elenco impecável, onde Benning pode se juntar à Amy Adams para dar queixa contra roubo de indicação.

 

Mas o filme não é só das mulheres. O jovem Jamie, alter ego de Mike Mills, aprende sobre a vida justamente através destas três mulheres. Ele conhece o movimento punk e a vida noturna com Abbie, tenta lidar com a amizade de infância que se transformou em paixão não correspondida por Julie e tenta ajudar a mãe, pois acredita que ela se dedica tanto à felicidade dele, enquanto ela mesma não é feliz. E há também William (Billy Crudup), outro inquilino de Dorothea, remanescente da cultura hippie, que mesmo fascinado pelas mulheres e com facilidade de levá-las para a cama, não consegue forjar ligações duradouras com elas.

 

Sem a pretensão de fazer um filme feminista, Mills admite que é uma visão masculina das mulheres daquela época ao colocar Jamie como protagonista junto com Dorothea. Como o próprio Mills disse, é uma homenagem às mulheres que o tornaram o homem que ele é. As narrações, a estrutura da montagem, as fotos de época, a música (punk rock acompanhando os personagens jovens e os sucessos dos anos trinta e quarenta com Dorothea), tudo isso funciona como a perfeita encadernação de um belíssimo, emocional e fascinante álbum de memórias. Mulheres do Século 20 é um filme lindo e adorável.

 

INDICAÇÃO AO OSCAR:

Roteiro original: Mike Mills

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